No começo da história do The Pirate Bay o site era em sueco. Tinha sido feito por suecos para sua comunidade. Outros países tinham seus próprios sites de compartilhamento de arquivos, mas eles eram tirados do ar.
Me lembro quando um dos maiores sites espanhóis de compartilhamento de arquivo foi fechado. Os usuários não tinham para onde ir além do The Pirate Bay. Do nada a lista de arquivos mais compartilhados foi tomada por conteúdo em espanhol, exceto por um certo audiolivro. Era um curso de sueco.
Decidimos traduzir o site. Não só para o inglês, mas para o maior número de línguas possível. Encontramos pessoas de vários países dispostas a ajudar. Lembro que a tradução para o português foi especialmente interessante, porque foi feita por brasileiro. Decidimos que iríamos fazer dois botões para a tradução — um para o português e outro para o português do Brasil. Como os dois idiomas diferem um pouco. Mas o arquivo gettext da tradução foi o mesmo.
Haviam palavras que nunca tinham sido traduzidas para o português (como "seeder", "leecher" e "torrent" como termos técnicos) e para nós foi engraçado ver que o Brasil, uma colônia de Portugal no passado, tinha influência para moldar como sua antiga metrópole desenvolvia sua língua nativa.
A tradução sueca trouxe uma experiência similar. Um finlandês fez a maior parte da tradução. A Finlândia, que foi por muito tempo domínio da Suécia, ainda tem o sueco como uma língua oficial. Algumas das palavras na tradução sueca do The Pirate Bay eram tão novas que precisaram ser inventadas. Algumas foram parar nos dicionários.
E a mesma coisa aconteceu com a tradução norueguesa. Existem duas, a Noruega tem duas línguas principais. Mas a principal tradução norueguesa foi feita por uma pessoa que fala a língua da minoria (e que também é muito bom na língua da principal). Isso tem um efeito no desenvolvimento da língua.
Alguns anos depois, outra coisa me fez pensar bastante. Durante alguns dos maiores problemas do TPB, notei que, pela primeira vez na história do site, mais de 50% do conteúdo na lista dos top 100 vinham da Índia. Antes, quando o TPB estava localizado para a Suécia, parecia natural que a maior parte do conteúdo seria em inglês ou sueco. Mas quando ele virou um sucesso internacional, e as coisas compartilhadas começaram a não ser de onde acharíamos que seriam, isso dizia algo sobre como o mundo está se movendo.
A pouco tempo assisti o filme Filha da Índia. Esse filme trata de um caso de estupro coletivo (seguido de assassinato) que ocorreu na Índia em 2012. A primeira coisa que me ocorreu foi querer colocar na página inicial do The Pirate Bay para ter certeza que pessoas do mundo todo — especialmente da Índia — poderiam vê-lo. Por quê? Porque ele foi censurado lá. É um filme que todos precisam ver. Mas além do problema de direitos autorais, há uma proibição de exibição do filme no país inteiro. Tentaram colocá-lo no YouTube várias vezes, mas o YouTube sempre remove o filme porque são obrigados a seguir ordens judiciais do governo indiano.
Tudo isso colocou as coisas sob perspectiva para mim. Compartilhamento descentralizado, através de tecnologia peer-to-peer, é obviamente uma forma de transportar informação para países em momentos críticos. É uma forma de ter certeza que dados de importância global não sejam bloqueados devido a corrupção local. Isso transcende ideias de fronteiras nacionais. E é altamente politizado.
Existem vários ângulos. Entendo agora que uma das principais razões para os Estados Unidos lutarem contra o compartilhamento de arquivos é que eles não querem que a Índia tome seu lugar como cultura número um. Se Bollywood atrair mais interesse do que Hollywood, será uma perda gigantesca para os EU.
Também fico triste que ninguém no TPB esteja fazendo sua parte. Ninguém se importa mais com política. É um site técnico que não ajuda um movimento. Não falo de um movimento de compartilhamento de arquivos. Mas para mim é estranho que o TPB não esteja promovendo Filha da Índia globalmente. Especialmente no dia internacional da mulher.
Compartilhamento é um ato político. Palavras são política. Comunicação é política. E se não usarmos o poder e as palavras que temos, estaremos do lado errado da luta.
(fonte TorrentFreak)
Peter Sunde foi o porta-voz do The Pirate Bay. Atualmente trabalha com o serviço de micro-pagamentos Flattr, o cliente de chat criptografado Heml.is e várias outras startups na área de tecnologia.
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